quinta-feira, 24 de janeiro de 2008



Interdisciplinalidade - O adestramento com a metodologia setorial para o conhecimento (ou reconhecimento) humano nos dá a impressão de "foco". Quando eu era pequena eu distorcia a visão para saber se um desenho estava bem pintado - eu retirava as bordas e deixava as cores se misturarem. Quando beleza era harmonia.

Porque hoje eu falei de áreas do conhecimento e mais tarde, sobre Polock.

A QUESTÃO AMBIENTAL E O COMERCIO GLOBAL

Por Cristine Carvalho
A história comprova que o crescimento econômico foi acompanhado de deterioração ambiental. E ainda que tenha havido evoluções sobre a questão ambiental em grande parte dos países desenvolvidos, como, por exemplo, a redução de emissões de algumas substâncias tóxicas, a criação e a implementação de sistemas de saneamento eficientes etc., outros problemas foram criados com o crescimento econômico. Dentre estes últimos, destacam-se a criação de lixo, as emissões de dióxido de carbono, a poluição das águas subterrâneas, o esgotamento dos solos, o buraco na camada de ozônio, a redução da biodiversidade, e outros aspectos negativos do processo produtivo.
Agregado aos impactos da economia industrial globalizada sobre o meio ambiente está a questão da qualidade de vida e das perspectivas de desenvolvimento - o que relaciona-se com a cultura de crescimento econômico e seus valores indicativos de bem-estar. Valores estes que, ainda que em intenso fluxo informacional, permanecem imensamente variáveis para cada grupo social.
A globalização dos mercados, de capitais e serviços envolve uma série de fatores e sujeitos, que entre controvérsias e dilemas são capazes de alterar, uma possível ordem natural do planeta.
O comércio ganha ênfase, sobretudo, a partir da globalização da economia mundial. Os fluxos de mercadorias, serviços, empréstimos e investimentos cresceram espantosamente a partir da criação do GATT, em 1947, onde as rodadas multilaterais de negociação, respondiam à produção. A partir de então novas estratégias estavam em jogo: a introdução de novas tecnologias no processo produtivo e a organização em grandes unidades industriais - voltadas para a produção em escala e para o barateamento do produto. A então expansão das novas indústrias requeria um mercado ampliado e novas regras de comércio que regulassem e facilitassem o intercâmbio. Era introduzida a política “desenvolvimentista” do livre-comércio mundial.
Após o período de expansão, a globalização dos mercados recolhe seus resultados em relatórios de desenvolvimento que não mais sugerem o crescimento econômico como indicador, mas o grau de sustentabilidade desta mesma produção; revelam o impacto da política de livre-comércio sobre o meio ambiente e as sociedades “em desenvolvimento” – principais fontes de matérias-primas e mão-de-obra.
Na relação entre o livre comércio internacional e a qualidade ambiental surgem ainda algumas questões antagônicas. Entre elas, a possibilidade do livre comércio contribuir com a degradação ambiental - onde os métodos de produção não são sustentáveis; ou ainda que a proteção dos mercados domésticos contribui com a degradação ambiental e a liberalização comercial deveria ser intensificada com fins ambientais – como ocorrido na Política Agrícola Comum praticada pelos países europeus membros da atual União Européia.
Uma hipótese mais contundente é a de que o processo de liberalização comercial deveria ser reduzido quando fosse verificada a degradação ambiental associada a fluxos comerciais específicos, o que poderia ocorrer tanto como decorrência do consumo de um produto no país importador quanto da produção do mesmo no país exportador através de um processo poluidor, ou de uma combinação dos dois aspectos. Havendo então uma maior regularização sobre os produtos e serviços, e as condições de produção.
É tênue a fronteira entre proteção ambiental e protecionismo comercial, assim como o modo de formulação da regra comercial - se unilateral, regional ou multilateral. Exemplos possíveis são: a aplicação extraterritorial de leis nacionais – como o caso do atum x golfinhos (EUA e México), os acordos ambientais multilaterais ou regionais, com sanções de natureza comercial – como a proibição da exportação de jacarés; ou ainda a adoção de critérios ou padrões de natureza ambiental para empacotamento ou embalagem (eco-labelling), onde se obriga a dispor etiquetas com informações sobre as características químicas e ambientais do produto, com o objetivo de influenciar a decisão do consumidor, o que não se trata de impedir o acesso ao mercado, mas de certa forma controlá-lo e dar competitividade adicional a exportações produzidas de uma maneira sustentável.
Sobre a técnica de eco-labelling, ainda assim, institutos de pesquisa, ONGs, e outros agentes de defesa do consumidor precisam manter uma vigilância constante sobre os novos produtos e ingredientes, dada a velocidade e a penetração dos avanços tecnológicos sobre eles.
Na era da informação e do conhecimento, as novas tecnologias permitem medir com muito mais precisão o impacto biológico de determinados elementos na natureza, no meio ambiente e no homem. As ONGs e os ambientalistas podem ter essas informações e divulgá-las por vários meios. Portanto, mesmo que a empresa esteja convencida da segurança dos seus produtos, o consumidor talvez não esteja. Um exemplo é o dos organismos geneticamente modificados (OGM).
“Acho que a pressa irresponsável na introdução dos avanços da engenharia genética é inspirada pela cobiça da globalização econômica” Antonio Souza Prudente, juiz, citado em “A Seedy Business” de Jack Epsterin, Latin Trade, out/1999.
Os consumidores temem que a modificação genética resulte em genes com resistência a antibióticos que seriam assimilados por bactérias, ou o surgimento de proteínas nocivas nas plantas. Essas preocupações aparecem num momento em que os consumidores se interessam mais por métodos modernos de produção de alimentos, preferindo alimentos orgânicos.
A polêmica sobre as safras geneticamente modificadas soma-se a antigas preocupações como o uso de herbicidas na agricultura intensiva, que são a base das campanhas visando empresas e consumidores, estimulados a mudarem seus hábitos de produção e compra.
A informação, assim como os mercados, também está livre sob a política da globalização, sendo até o viés de maior impacto sobre as grandes corporações atualmente. As tecnologias estão disponíveis tanto para a produção de conhecimento como para produtos, e da mesma forma, para soluções sobre o efeito de suas práticas sobre o meio ambiente e as sociedades.
Havendo ainda repercussões sobre a competitividade das exportações dos diferentes países, argumenta-se alguns pontos negativos:
- Os padrões ambientais elevados em um país importador constituem barreiras não-tarifárias com o fim de proteger o mercado doméstico (ecoprotencionismo). Assim, todos os países membros de qualquer acordo comercial paralelo devem se harmonizar aos padrões ambientais “locais”.
- Os países desenvolvidos tendem a apresentar padrões ambientais mais elevados, isto se constituiria num argumento em favor da adoção de padrões ambientais menos avançados para permitir que o processo de desenvolvimento ocorra.
- Países que adotam padrões ambientais menos rigorosos podem ser vistos como dando subsídios implícitos a suas exportações (ecodumping), uma vez que os custos da degradação ambiental não são internalizados nos produtos sendo exportados - o que elevaria os padrões ambientais técnicos.
- Argumenta-se que outros instrumentos de política ambiental, por exemplo taxas ou subsídios ambientais, também são fonte de distorção do comércio;
- A discriminação comercial se constitui num instrumento eficaz para induzir o cumprimento de normas ambientais.
Por outro lado, a defesa de que o meio ambiente sofreria as conseqüências positivas no livre comercio baseia-se na idéia de que através do maior crescimento econômico permitido, a maior disponibilidade de recursos permitiria aumentar a demanda pelo "bem" (capital natural) representado pela proteção ambiental. Ou mais especificamente:
- com o crescimento da renda, o cidadão médio gastará um maior volume de recursos com a preservação do meio ambiente, ou, em outras palavras, bens ambientais apresentam uma elevada elasticidade-renda;
- o comércio é um instrumento adequado para difundir as tecnologias menos poluidoras;
- o livre comércio torna disponível aos consumidores maior variedade de produtos "verdes";
- a cooperação multilateral é necessária para resolver vários problemas ambientais, e um contexto de livre comércio constitui-se no melhor cenário para que tal cooperação ocorra.
A relação entre comércio e meio ambiente pode ser caracterizada pelo conflito ou pela complementaridade, o que dependerá de uma série de fatores, em que se incluem as estruturas institucionais nas quais a produção e o comércio são realizados.
Para um bom número de autores, a agenda comercial do futuro deverá incorporar, cada vez mais, padrões internacionais sobre políticas de mercado, tais como regras sobre a competição, a proteção aos consumidores e a política das corporações; políticas sociais, como as condições no mercado de trabalho, o apoio às camadas sociais de baixa renda; e políticas ambientais.
O Nafta, sob este último aspecto, é um acordo inovador, pois não apenas prevê a criação de uma comissão binacional sobre temas ambientais e a destinação de recursos para a realização de empreendimentos conjuntos para a proteção do meio ambiente, como reconhece a possibilidade de sanção contra a violação de certos padrões de natureza ambiental.
Ou seja, as negociações comerciais multilaterais futuras deverão tratar cada vez menos de acesso e cada vez mais das condições que influem sobre as vantagens comparativas.
A iniciativa dos países desenvolvidos em disseminar padrões de proteção ambiental e em dotar tais padrões da capacidade de coerção, por via das condicionalidades nos empréstimos dos organismos financeiros ou mediante medidas de comércio parece não ter encontrado paralelo na sua disposição de cumprir com o compromisso de transferir recursos ao mundo em desenvolvimento, de modo a contribuir para a adoção destes padrões.
As sociedades “em desenvolvimento”, tanto quanto as “desenvolvidas”, desejam preservar o meio ambiente, com a diferença de que não dispõem dos mesmos meios, seja porque os recursos são mais escassos, seja porque o compromisso com a ecologia tem de ser compatibilizado com outros objetivos sociais, igualmente relevantes.
É necessário adotar regras multilaterais para a proteção do meio ambiente, com necessárias sanções, mas não condicionalidades financeiras ou restrições ao comércio – sendo definidas de modo unilateral e arbitrário. A regra de comércio não deve servir de motivo ao protecionismo ou ao propósito de reduzir a vantagem comparativa de uma economia.
Assim, a elevação dos padrões ambientais de produção não devem comprometer as vantagens comparativas dos países de renda mais baixa, nem retiraria a competitividade dos seus produtos de exportação nos mercados do mundo industrializado. Além de preservar a competitividade, traria a saudável conseqüência de ensejar uma repartição, entre o Norte e o Sul, dos custos da disseminação, em nível mundial, de padrões mais elevados de proteção ao meio ambiente, via a incorporação destes custos no preço dos produtos consumidos no mundo desenvolvido.

Referencias Bibliográficas

JAKOBSEN, Kjeld. "Comércio internacional e desenvolvimento - Do Gatt à OMC: discurso e prática". Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2005.
AMARAL, Sergio Silva do. “Meio ambiente na agenda internacional: comércio e financiamento”, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141995000100015&script=sci_arttext
http://www.ieav.cta.br/enu/yuji/efeito_estufa.php

Cuidar das crianças e educá-las é um exercício de responsabilidade.

Por Cristine Carvalho*
J. tinha 4 anos quando jogou água na televisão para lavá-la. Quando a mãe viu, ficou descontrolada. A dona-de-casa R.S, 33 anos, bateu no bumbum da menina, que chorou e nunca mais voltou a repetir o ato. Essa foi a primeira palmada de várias que R. aplicou nos filhos J., hoje com 14 anos, Ju., 12, e G. 5, que ainda apanha quando bate nas irmãs. "Se a criança faz malcriação ou algo muito errado, não adianta conversar, tem de levar um tapa", afirma R. Ela diz que hoje dificilmente os filhos têm coragem de lhe responder mal. Ao mesmo tempo revela remorso. "Infelizmente, se não der palmada, os filhos não obedecem", justifica.[1]

O Estudo do Núcleo de Combate à Violência Doméstica do Rio de Janeiro (RJ) revelou que crianças e adolescentes são os principais alvos de agressões dentro de casa, principalmente crianças na faixa de 1 a 9 anos. Em 2003, foram registradas 6.186 denúncias de Violência Doméstica Contra a Criança e o Adolescente e, em 2004, um total de 6.110, sendo 80% por agressões físicas.
Criada em 2005, a Rede Não Bata, Eduque - formada por instituições não-governamentais e privadas, além de pessoas físicas, atua como movimento social com a finalidade de promover uma cultura de paz e integrar uma estratégia de transformação social e mudança de atitude por meio da reflexão sobre o uso de castigos físicos e humilhantes como medida disciplinar em crianças. Procura também estimular uma relação familiar harmoniosa que garanta o direito das crianças à integridade física e psicológica e a um pleno desenvolvimento como ser humano e como cidadão.
Os parceiros que formam a rede e conduzem a campanha nacional são: Agência Nacional dos Direitos da Criança (ANDI), Comunicarte, Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Fundação Abrinq, Fundação Xuxa Meneguel, Promundo, Projeto Proteger e Save the Children Suécia.
Além dos organizadores da Rede, vários apoiadores ajudaram a tornar realidade a iniciativa, como a Rede Globo de TV, a Conspiração Filmes, a agencia de publicidade Matos Grey, o Estúdio Metara, a empresa de webdesign WC3, a Secretaria Especial de Direitos Humanos do Governo Federal, a Voz do Brasil e a UNESCO.
A Campanha da Rede foi lançada oficialmente em junho de 2007, em Brasília, onde a cerimônia contou com a presença da madrinha da campanha e membro da Rede, a apresentadora Xuxa Meneguel, cuja Fundação é parceira e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, demonstrando apoio à campanha.
A Campanha Nacional “Não Bata, Eduque!” vem veiculando uma série de materiais educativos e de sensibilização, como vídeos, anúncios, spots de rádio e folders para incentivar os pais e cuidadores a refletir sobre suas atitudes e mostrar as conseqüências que os castigos físicos e humilhantes trazem para as crianças, para a família e para a sociedade.

O que é castigo físico e humilhante?

Segundo Pinheiro, no Estudo da ONU, é a forma de violência aplicada por uma pessoa adulta com a intenção de disciplinar, para corrigir ou modificar uma conduta indesejável. É o uso da força causando dor física ou emocional a criança ou adolescente agredido.
Punições corporais e psicológicas contra crianças e adolescentes, como palmadas, chineladas e ameaças, são práticas habituais em quase todas as sociedades. Encarados como ferramentas essenciais para a disciplina, estes castigos, que variam em intensidade, estão presentes em casa, nas escolas, nas instituições de assistência social de apoio à infância e adolescência. Embora para o senso comum, a “Pedagogia da Palmada” seja simplesmente um instrumento corretivo (ou preventivo), ela encerra um problema muito maior, que é a banalização do uso da violência como meio de solucionar conflitos, e que imposta poderá ter reflexo negativos ao longo da vida da criança (Pinheiro, 2007). Ademais, as castigos físicos e psicológicas constituem uma violação aos Direitos Humanos fundamentais, atentando contra a dignidade humana e a integridade física das crianças
Em 2002, o Instituto Promundo realizou uma pesquisa que abordou a questão da violência intrafamiliar em Santa Marta e Bangu, duas comunidades de baixa renda na região metropolitana do Rio de Janeiro. Em Santa Marta, 37% dos entrevistados disseram que um adulto da família havia usado violência física contra crianças pelo menos uma vez no último mês, e 40% responderam positivamente à mesma pergunta em Bangu. Nas duas comunidades há uma tendência ao maior uso de violência física contra crianças de 7 a 12 anos, diminuindo na adolescência.
A palmada é um recurso utilizado em todas as classes sociais. "Em 99% dos lares brasileiros, as crianças já levaram pelo menos uma palmada na vida", diz o psicólogo Cristiano da Silveira Longo. Em enquete respondida por 640 pais no site de CRESCER, 52% disseram conversar com o filho na hora de uma punição, mas, na ausência de resultados, apelam para a palmada. Outros 35% conversam e, se não surtir efeito, colocam de castigo. Apenas 12,7% não lançam mão nem de castigos nem palmadas. No livro Mania de Bater, as psicólogas Maria Amélia Azevedo e Viviane Nogueira de Azevedo Guerra realizaram uma ampla pesquisa com 894 crianças de diversas classes sociais. Mais de 50% das crianças revelaram ter apanhado em casa. Os meninos mais pobres são os que mais sofrem, cerca de 75% apanham. O estudo conclui, segundo as autoras, que a palmada é a tática punitiva preferida das mães.

E porque Não Bater?

Dentre os principais argumentos utilizados pelos pais que utilizam a palmada, estão, segundo Longo: a necessidade de impor respeito com resultados imediatos, a crença de que a criança não tem maturidade de escutar e entender e a tentativa de evitar que ela se torne um adulto autoritário e desagradável. Há os que se acham no direito de bater porque são os provedores da criança. Buscando aprofundar estes motivos, de acordo com os psicólogos, os motivos também são outros. "Os pais batem porque estão estressados por trabalho, trânsito, problemas financeiros ou pelo acúmulo de problemas com a criança", diz a psicóloga Raquel. "Pais batem porque são inseguros e autoritários", diz a terapeuta familiar Verônica Cezar Ferreira.
A terapeuta explica que as situações que levam à palmada normalmente estão relacionadas a limites em uma idade que as crianças estão sempre m busca de algo novo. A convivência familiar e as relações interpessoais desta criança com quem cuida dela é um período de grande importância na formação de valores e de costumes do indivíduo, onde as crianças se preparam para participar do meio social adulto.
Os pais podem enfrentar uma enorme pressão do dia-a-dia e ter dificuldades para lidar com as demandas impostas pelos filhos sem recorrer ao castigo físico. Educar dá trabalho e como comenta Maria Tereza Maldonado, “exige paciência e, sobretudo, muito amor. Atitudes de provocação e desafio das crianças enraivecem os adultos, entretanto, entrar no circuito de gritos e palmadas para se fazer obedecer pode resultar numa escalada de agressividade que vem prejudicar a boa qualidade do convívio”.
O castigo é um processo cujo foco recai no que a criança fez de errado. Ele é baseado no principio de que a criança precisa sofrer para ser encorajada a entender o que ela faz e desencorajada a fazê-lo novamente. Esse tipo de castigo faz com que, por medo de uma surra, as crianças adotem certos comportamentos ao invés de ajudá-las a desejar um comportamento e a ter autodisciplina.
O círculo completa-se com a violência psicológica que normalmente acompanha a palmada. "São frases que depreciam a criança, como 'você faz tudo errado'. Ela acaba se convencendo de que o adulto tem razão, o que estimula mais ainda os comportamentos negativos", observa Longo.
Assim, tentando educar, "a palmada interrompe o comportamento considerado inadequado de forma instantânea, mas a médio e longo prazos não educa", diz Longo. Para ele, o método de ensino faz parte de um círculo vicioso, no qual pais e filhos não estão habituados a dialogar. "É um ato incoerente, pois às vezes a criança apanha para aprender que não deve bater", diz o psicólogo. Alguns pais que batem sofrem com a ambigüidade dos seus sentimentos, violência por amor, mas pior é a situação dos filhos que apanham e aprendem.
Experimentando a violência como uma maneira plausível e aceitável de se solucionar conflitos e diferenças, a violência reforça comportamentos agressivos, principalmente quando se está em posição de vantagem física frente ao outro, como o do menino que reproduz a atitude da mãe batendo nas irmãs. A criança leva este aprendizado para outras relações, além de um irmão mais novo, o cônjuge e os seus futuros filhos, usando a violência como método de comunicação tanto em casa como possivelmente com um desconhecido na rua.
E ainda, em muitos casos, quando não se tornam agressivos com outras pessoas de seu meio social, a criança que sofre castigos físicos e violências psicológicas freqüentes, pode apresentar um perfil retraído, introvertido – como afirmam os especialistas no tema. E se essa criança não tiver uma rede de apoio forte, como parentes, ou outras pessoas que lhe sejam significativas e que lhe tratem de maneira diferente, a sua auto-estima fica comprometida e conseqüentemente ela se torna uma pessoa insegura, com medo, tímida, passiva e submissa.
A premissa apresentada pela Rede é a de que a promoção de relacionamentos mais eqüitativos entre pais e filhos é capaz de reduzir comportamentos de violência intrafamiliar contra crianças, com o relacionamento pautado na promoção da participação infantil e na utilização de estratégias positivas de educação.
Erradicar o castigo físico e as formas violentas como método educativo é a principal motivação da Rede exatamente porque estes métodos fazem parte da cultura de violência que se expande para fora das casas oferecendo possíveis ameaças ao bem-estar público.

Limites legais aos castigos físicos contra as crianças e adolescentes

Segundo o material explicativo da campanha da Rede, a medida de combate aos castigos físicos e humilhantes já foi feita em 18 países (Áustria, Bulgária, Croácia, Chipre, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia, Israel, Itália, Letônia, Holanda, Noruega, Romênia, Suécia e Ucrânia). Estes países alteraram suas legislações para prevenir a prática, considerada pelo recente Estudo Global da ONU sobre Violência contra Crianças (2006) um tipo de violência freqüente e grave que atinge milhões de crianças em todo o mundo.
A discussão no Brasil vem ganhando força desde a década de 90. Este ano foi enviado ao Congresso o projeto de Lei 2.654/03
[2] da deputada Maria do Rosário, que dispõe sobre a alteração da Lei 8.069, de 13/07/1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e da Lei 10.406, de 10/10/2002, do Novo Código Civil e estabelece o direito da criança e do adolescente a não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos.
De acordo com o projeto de Lei, a punição corporal de criança ou adolescente sujeitará aos pais, professores ou responsáveis a medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90). Entre as medidas estão o encaminhamento do infrator a programa oficial ou comunitário de proteção à família, a tratamento psicológico ou psiquiátrico e a cursos ou programas de orientação.

E como educar?

“É importante que os pais entendam a diferença entre ter autoridade sobre as crianças usando técnicas de disciplina positiva e abusar do poder que possuem por meio do castigo físico e humilhante”, assim orienta o Manual da ONG Save The Children.
A disciplina positiva supõe que a criança deseja se comportar bem, mas que precisa de ajuda para entender como fazer isso. Ela funciona com base no princípio de que as crianças aprendem mais por meio da cooperação e da recompensa do que por meio do conflito e do castigo. Ela também gera a idéia de que quando a criança se sente bem, ela tende a se comportar bem e quando se sente mal, tende a se comportar mal.

A abordagem positiva na educação das crianças significa que:

· O comportamento aceitável é exemplificado pelos pais;
· Quando a criança se comporta bem ela é premiada com atenção e elogios; do contrário ela recebe a menor atenção possível e não é recompensada;
· Sempre o comportamento é criticado como ruim e não a criança.
· As expectativas em relação às capacidades das crianças devem ser realistas em respeito às suas idades.
· Limites e regras são claramente estabelecidos e consistentemente impostos de forma não-violenta, colocados de forma positiva: “Faça isso”, mais do que “não faça isso”.
· Os assuntos importantes têm limites claros, mas há abertura para negociação em pontos menos importantes.
· Os pais conhecem seus limites de tolerância e desenvolvem estratégias para lidar com eles, evitando bater nos filhos.
· As crianças são tratadas de forma justa e respeitosa, suas opiniões são ouvidas e recebem a consideração adequada.
· A disciplina tem uma relação clara e proporcional com o comportamento que requer mudança.
· Podem ser usadas sansões que não são físicas nem humilhantes.

Fonte: Manual “Erradicar Castigos” da ONG Save the Children Suécia, 2005

Por uma cultura de Paz

Trabalhando a partir de um enfoque positivo, a finalidade da campanha não é punir nem criminalizar os pais, mas reconhecer que a educação dos filhos é uma tarefa difícil e complexa, dando apoio com as chamadas “estratégias positivas de educação”: formas educativas que não utilizam violência física e psicológica e que promovem o desenvolvimento físico, emocional e social dos filhos de forma saudável e participativa.
Nos países onde já estão implantadas medidas legais e sociais visando erradicar as práticas de castigos físicos e humilhantes existem poucas ações legais de intervenção dada à enorme queda do número de práticas. Ou seja, o impacto da lei está nos costumes e não na determinação de infratores.
Diante das adversidades, a importância deste período na qualidade das relações entre filhos e pais, ou alunos e professores, é um investimento no futuro melhor não apenas das famílias, mas de toda a rede social onde o adulto se insere.
Envolver as crianças no processo de educação significa encorajar, estimular permitir que elas expressem suas opiniões sobre os assuntos que lhe afetem. Na prática significa que os adultos devem escutar as crianças e, mais do que isso, considerar as suas opiniões, trazendo escolhas e fazendo negociações (tendo bom-senso em relação ao assunto pertinente). Engajar as crianças no diálogo e troca permite que elas aprendam formas construtivas de influenciar o mundo ao redor delas. A participação deve ser autêntica e significativa e deve começar com as próprias crianças e adolescentes. Isto requer, na maioria das vezes, uma mudança radical no comportamento e modo de pensar dos adultos.
Para a família, as vantagens da participação infantil são: a possibilidade de construção de canais de diálogos fortalecendo a relação eqüitativa entre pais e filhos; a promoção de maior confiança e respeito entre pais e filhos; o conhecimento dos pais sobre sentimentos e pensamentos dos filhos; e o estabelecimento e cumprimento de regras de convivência em casa e fora dela.
Para a sociedade, além de todas as vantagens apresentadas à cima sendo trazidas também para fora de casa, principalmente quando estas crianças se tornarem adultos, a educação positiva forma as crianças para o exercício da cidadania e da liderança.


Referências Consultadas

MALADONADO, Maria Tereza. “Bater para educar”, “Castigos ou conseqüências”, “Ela não me obedece!” e “Palavras ferinas” in Cá entre nós.. Ed. Integrare, São Paulo, 2006.
Manual de Ação “Save the Children Suécia”: Erradicando o Castigo Físico e Humilhante contra a Criança. 2005.
Material explicativo da Organização Mundial para o Fim da Punição Física, 2005
Material explicativo da “ Campanha Nacional Não Bata, Eduque”, 2005.
PINHEIRO, citado no “Site da Rede Não Bata, Eduque”, disponível em:
http://www.naobataeduque.org.br/index.php, visitado em 15 de julho de 2007.
“Um tapinha dói, sim”, citado idem.
“Site do Consultor Jurídico – Jornal Estadão”, disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/41196,1, visitado em 16 de julho de 2007.
[1] Fonte: Organização Mundial para o Fim da Punição Física
[2] O projeto de Lei 2.654/2003 foi elaborado pela equipe do Laboratório de Estudos da Criança da USP (LACRI), está tramitando no Congresso Nacional desde o final de 2003 e já foi avaliado e aprovado de forma unânime em três comissões – Comissão de Educação e Cultura (CEC), Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) e Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
*então Residente Social da Comunicarte - Agencia de Responsabilidade Social. Artigo sobre a Campanha da Rede “Não Bata, Eduque”. Publicado na Revista Genera, Recife, Set.08.