Por Cristine Carvalho
Apesar de ser um conceito complexo, podemos apreender o aspecto essencial do desenvolvimento, como apontou Amartya Sem, economista indiano, colaborador na construção do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e Prêmio Nobel de economia em 1998: “o desenvolvimento seria a ampliação da capacidade de realizar atividades livremente escolhidas e valorizadas” (KAAS, 2005). Porém, tal ampliação não se dá automaticamente com o crescimento econômico, sem primeiro rever-se “como” se está crescendo.
Levando-se em consideração que o capital social assume diversas formas em razão do contexto e das características dos indivíduos que o constituem, ele tem diversas identidades. Tendo seu próprio espaço e tempo de ação, os recursos captados e transformados em capital social têm seu ritmo de desenvolvimento particular. Diferentes meios, diferentes pessoas e diferentes realidades quando observadas de outra sociedade.
Em tempos atuais, é fundamental compreender que cada grupo ou comunidade tem seu ritmo e é incabível julgar certezas de bem-estar social quando estes recursos e valores devem ser relativizados. Não há valores numéricos que indiquem que uma dada sociedade é bem-sucedida. As variáveis econômicas não bastam para produzir desenvolvimento socialmente equilibrado e ambientalmente sustentável.
Assim, os fundamentos e as práticas freqüentemente contraditórias do desenvolvimento econômico vêm sendo veementemente criticadas e os temas sociais e institucionais vem ganhando boa aceitação no mainstream da economia, tornando-se então uma coisa só e reformulando o conceito de desenvolvimento.
OLSON (1982 apud MONASTERIO, 2000) faz uma interessante analogia em relação aos estudos econômicos que procuram contabilizar o crescimento: “Eles não traçam as fontes do crescimento em suas causas fundamentais; traçam a água do rio aos córregos e lagos de onde vem, mas eles não explicam a chuva”.
Ineficiente ao identificar valores relativos ao conteúdo das sociedades, seus recursos e seus trejeitos estão as teorias do evolucionismo social. Gilbert Rist é um dos principais críticos aos projetos de desenvolvimento sob esta “crença ocidental”. Neste modelo comparativo os países sub-desenvolvidos deveriam atingir o patamar dos países desenvolvidos, e existem etapas a cumprir de forma contínua e cumulativa. Rist rejeita a possibilidade de que, em matéria de desenvolvimento, seria possível antecipar de modo determinista os passos futuros a serem seguidos pelas economias do Sul e, além do mais, definir as ferramentas para atingir determinados objetivos de maneira universal e independente de contextos e lógicas locais (Rist, 1999 apud Milani, 2005).
Como o modelo evolucionista que distingue as raças humanas, dentro dos estudos antropológicos do século XVIII, a construção de uma verdade absoluta em torno da história do homem, feita por determinados grupos de homens que se auto-determinam “evoluídos”, ainda estão arraigadas na memória do homem ocidental e são apresentadas na forma de extremismos, exclusão e violência.
Os ditos parâmetros de crescimento e inovação podem abranger uma minoria ou assistir milhares de pessoas no mundo todo – com técnicas, marcas e até mesmo estilos de vida. São recursos promovidos e que trazem, quando adequadas às realidades locais ou pessoais, determinado capital social.
Em diversos sentidos, o capital social se aproxima mais do capital humano do que do capital físico. Ele também é intangível, mas sua quantificação é mais complexa do que o capital humano, já que é observada nas relações entre os indivíduos (COLEMAN, 1988; REQUIER-DESJARDINS, 2000 apud MONASTERIO, 2000).
Outros autores e intelectuais como Wolfgang Sachs, Serge Latouche, Ivan Illich e Arundathy Roy afirmaram ser fundamental analisar e requalificar criticamente os processos de transformação social vistos sob a etiqueta do desenvolvimento. Estes autores, por mais que não tivessem apresentado um novo conceito e prática do desenvolvimento a partir do capital social que substituísse o anterior, denunciaram as práticas incoerentes do desenvolvimento econômico e seus resultados nocivos, sobretudo nos contextos onde as desigualdades e as carências de infra e superestrutura são muito evidentes.
Outro importante impacto da corrida pelo desenvolvimento econômico que atropela valores sociais acontece nas relações entre os indivíduos em sociedade. Estando as associações de interesses comuns diminuindo sua prática, é visto que, com o distanciamento entre seus componentes, a competição vem tomando o lugar da confiança. Isto ocorre principalmente nas sociedades de ideal democrático e com este histórico, como o caso dos EUA, onde foi produzido “Democracia na América” de Tocqueville e “Bowling Alone” de Putnam.
Assim como na pesquisa de Putnam, diversos estudos estão sendo produzidos a partir da observação deste crescente individualismo nas sociedades. Como Putnam em “Bowling alone”, o sociólogo polonês Zygmunt Bawman observa, em Modernidade Líquida, com seu olhar “romântico”, o esfacelamento dos laços de amizade e cooperação até então fundamentais para o desenvolvimento social.
Acrescenta ainda que, nas sociedades por ele denominadas pós-modernas inseridas grandes cidades-centros comerciais, a liquidez e a efemeridade na absorção das informações e na construção das imagens são características marcantes. Estando dispostas a um grande e variado número de recursos, as possibilidades e oportunidades se alargam tornando a experiência cotidiana uma entrada e saída de informações e escolhas. Em alta velocidade e pretendendo entrar em contato com o máximo de conhecimento possível, os indivíduos se isolam e criam novos mecanismos de sociabilizar-se.
A comunicação, portanto, vem adquirindo novos meios de conexão e transmissão das suas mensagens, seus conteúdos também se adequam aos novos interesses de seus receptores. Na comunicação e na viabilização de conhecimento é necessário atentar para as constantes tendências - do capital social.
Em relação às estimativas de queda dos números de associações, feita por Putnam, verifico que as características de muitas associações mudaram – talvez tenham deixado de ser de bairro, de esportes de grupo presencial ou de jantares com amigos. As redes sociais caracterizam-se por serem traçadas também pela internet, por celulares, em restaurantes e em ambientes públicos. Talvez tenha deixado de ser tão privativa a famílias e grupos específicos e tenha se colocado em disposição mais alargada, com maior incidência de novidades e referências. Afinal de contas o que se ganhou com a confiança e a cooperação pode também ter sido a tolerância com a diversidade.
As características individualistas também agregam valores e são potencialmente capazes de gerar desenvolvimento social. Mudança social é mudança nos componentes e nas relações entre os componentes do conjunto que constitui a sociedade. Usando metaforicamente a linguagem econômica, poderíamos dizer que haverá mudanças sociais quando houver alterações do capital humano e do capital social.
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