domingo, 27 de abril de 2008

Capital Social, Tendências e Construções

por Cristine de Carvalho
A partir dos anos 90, o Banco Mundial passou a distinguir, na avaliação de projetos de desenvolvimento, as quatro formas de riqueza das nações. Dentro das estatísticas do ano de 1998, para o Banco, 16% da riqueza mundial advém de fatores físicos e financeiros, isto é, do mercado de capitais (estradas, fábricas, e o sistema produtivo em geral); Ocupando cerca de 20% está o chamado Nature Lendal, e refere-se a fatores naturais (território, espaço, localização geoestratégica, história, tradição, etc.); e finalmente, 64% corresponde àquilo que o Banco Mundial chamou de Capital humano e social.
O Capital humano é definido pelos graus de saúde, educação e nutrição de um povo; ele pode ser mensurado através de Indicadores, como o IDH, onde são avaliadas as condições e tendências em relação à metas e objetivos, dentro de temas como mortalidade infantil, expectativa de vida, analfabetismo, etc.
No entanto, para alguns autores, como MacGillivray (1997), uma vez que os pré-requisitos para o desenvolvimento humano sejam atendidos (capital humano), as pessoas devem utilizar esse potencial para exercer uma vida plena de significados dentro da sociedade. O autor afirma que a participação dentro da sociedade é mais do que a inexistência de obstáculos (capital humano) para se alcançar alguns objetivos. Existem, segundo ele, meios de se definir o desenvolvimento social não-individual. O principal meio é como continua o autor, o capital social.

Concepções de Capital Social

Na corrente da mudança de perspectiva do conceito de "comunidade" para "redes sociais", vários autores das ciências sociais passaram a investigar, desde os anos de 1990, o conceito empírico de capital social (Burt, 2005; Lin, 2005; Narayan, 1999; Portes, 1998; Grootaert, 1997; Fukuyama, 1996; Putnam, 1993; Coleman, 1990).
James Coleman (1990) aplica o conceito na área da educação e analisa seu papel no crescimento do capital humano, em uma abordagem baseada na escolha racional. Para este autor, capital social é um recurso que representa a habilidade das pessoas de trabalharem juntas para um fim comum em grupos ou dentro das organizações.
O autor aponta, com dados estatísticos sobre a sociedade norte-americana, a importância do capital social para a obtenção de capacidades e qualificações que elevam a produtividade do trabalho humano.
Putnam (1994)[1] descreve o capital social como uma característica da organização social, como as redes, onde as normas facilitam a coordenação e cooperação em benefício mútuo. Tais associações fornecem a base de cooperação dentro da sociedade e o capital social pode ser descrito como a participação do processo decisório ou integração social.
O capital individual é um estoque de competências, qualidades e aptidões enquanto que o capital social, um estoque de relações e valores. Segundo Putnam, as normas de reciprocidade (ajuda mútua) estabelecidas na relação entre os indivíduos é o que caracteriza o capital social de uma sociedade. Graças ao motivo que aproxima as pessoas, interesses em comum ou não: “bonding” – interesses similares e “bridging”, interesses diversos.
Para este autor, dentro os benefícios das sociedades com alto capital social estão: a diminuição dos crimes em lugares onde as pessoas conhecem seus vizinhos; a melhora do desempenho de estudantes quando os pais estão mais envolvidos nas relações comunitárias; melhor trabalho do governo quando as pessoas estão envolvidas na vida cívica; e o aumento da realização econômica quando do aumento da confiança.
Putnam afirma que a tradução da mentalidade do “eu” para o “nós” advém de redes sociais marcadas pela confiança, normas e sistemas de larga solidariedade, criadas a partir das contínuas interações entre os indivíduos. Assim, os sistemas de participação cívica são a forma essencial de capital social, e quanto mais desenvolvidos forem esses sistemas numa comunidade, maior será a probabilidade de que seus cidadãos sejam capazes de cooperar em benefício coletivo.
Um ambiente de confiança plena conta com um importante recurso a ser aplicado na solução de muitos problemas e por isso permite a ampliação das possibilidades, estimulando inovações. Tais recursos estão relacionados tanto à cultura familiar quando à esfera política e econômica.
Para Putnam, as redes de relações propiciam o fluxo e o intercâmbio de informações (compartilhamento) reproduzindo espaços de comunicação. Na interação dentro destes espaços, as associações engendram hábitos cívicos, confiança e um espírito cooperativo, o que vem a contribuir com o desenvolvimento, tanto social como econômico. Esta é, segundo o autor, uma função chave para sistemas ricos em capital social.
Os resultados de testes empíricos cross-section sugerem que os países com maior intensidade de capital social (redes e associações) teriam maior taxa de acumulação de capital físico – bens materiais ou de valor quantitativamente avaliável e comparável.
Finalmente, o capital individual pode ser visto como atributo particular ao agente social, mas a rede de conexões entre estes indivíduos e suas qualidades é um ativo que gera benefícios principalmente para os mesmos. O ambiente de rede torna a experiência cotidiana plena (até mesmo direcionada, normatizada, ordenada) o que é socialmente favorável pelos recursos dados ao seu potencial de sustentabilidade (desenvolvimento social sustentável).
Em pesquisas recentes (2001), Putnam identifica uma grande queda nas taxas de capital social nos EUA nos últimos 25 anos: 58% na participação de clubes e outras organizações civis; 33% em jantares familiares; 33% em presença nas igrejas; 45% em amizades por algum fim; e 35% no envolvimento na vida comunitária (encontros públicos).
Ultrapassando a definição de capital social enquanto qualidade das redes sociais e das relações entre os indivíduos, Dominique Meda considera a sociedade, a nação, e o país como um todo, um coletivo que também possui um bem próprio. O capital social é chamado por Meda de “estado social da nação” (etat social de la nation). A sociedade disporia, segundo a autora, de um certo número de bens e recursos, de uma certa quantidade de capitais, cuja progressão, melhora, acumulação e qualidade também podem ser medidas (Meda, 2002 apud Milani, 2005).
Seu uso tende a aumentar seu estoque por meio de ações que incentivam sua criação e reprodução (redes, comunicação, apoio e cooperação). Diminui, porém, na medida em que florescem atitudes e comportamentos relacionados com a intolerância, a discriminação e o desrespeito pelos direitos da pessoa humana, bem como restrições à liberdade de expressão e organização políticas, a diminuição dos espaços públicos de deliberação democrática e a falta de reconhecimento dos direitos de grupos minoritários ou excluídos.
Molyneux (2002, apud Milani, 2005), vê ainda que o capital social pode ser entendido enquanto propriedade de uma sociedade (civicness), propriedade de uma comunidade ou um recurso operacionalizado por indivíduos a fim de maximizar suas capacidades e atingir seus objetivos. É propriedade da sociedade como um todo porque, além de ser um fator central na equação do desenvolvimento e fundamental para a vida econômica, seu valor social ultrapassa sua utilidade econômica.
Não me detendo aos aspectos da contabilidade empresarial, mas ainda tendo como recurso inerente à vida social, o capital social é, segundo Márcio Schiavo, a moeda de troca entre os membros da rede social. Ao assistirmos a crise de cidadania atual, ou da cooperação e do sentimento de pertencimento à uma classe ou um país, e associarmos que as soluções para esta crise está na administração do capital social, se chega a conclusão de que é necessário que o déficit seja pago com este mesmo capital social, desenvolvido.
O déficit de cidadania é segundo Schiavo, pago através do restabelecimento dos vínculos sociais, do fluxo de capital social ativo e da então diminuição das probabilidades de exclusão. O poder público é, dentro desta perspectiva, a rede de valores sociais, e envolve a participação e a cooperação do conjunto de indivíduos, assim como colocado por Putnam.
Ainda é importante enfatizar que o capital social não substitui a efetiva política publica. Segundo Putnam “é um requisito para ela; o capital social trabalha entre e com os estados e os mercados e não no lugar deles. Também não o é nem um argumento para determinismos culturais nem um motivo para culpar a vítima... uma sabia política sabe encorajar a formação do capital social, e o próprio capital social aumenta a eficácia da ação de governo”[2].
O déficit social e a decorrente pobreza não são problemas unicamente econômicos, pela falta de crescimento, ou tão pouco é um problema da falta de oferta eficiente e suficiente de serviços estatais.
Não menos importante do que os impactos do capital físico, o capital social cria condições para que o indivíduo em sua totalidade e a sociedade como unidade, baseados em relações de confiança, gerem uma economia socialmente produtiva.
Ainda que responda às inclinações individuais, o capital social não deixa de ser um bem público constituído na necessidade de reciprocidade na relação entre os diversos interesses pessoais envolvidos, e se manifesta a partir da confiança, de normas e de cadeias de relações sociais.
Em um mundo de fluxos globais de riqueza, poder e imagens é crescente a busca da fonte básica de significado social: da identidade - coletiva ou individual, atribuída ou construída.
A qualidade da relação entre os agentes da rede social é o que dá sentido ao desenvolvimento da sociedade onde estão inseridos.
[1] Robert Putnam aplicou o conceito na compreensão da participação e engajamento da sociedade e os seus efeitos nas instituições democráticas e na qualidade do governo em algumas regiões da Itália.

[2] Putnam, 2004. “Interview to OECD Observer about Bowling together.”

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